Limpa, renovável e rentável. Mais do que uma solução energética sustentável, que evita o despejo de resíduos no meio ambiente, a produção de biogás a partir dos dejetos e carcaças de porcos se transformou em uma fonte de renda extra para os suinocultores do Paraná. Com sistemas de biodigestores e geradores instalados dentro das propriedades, os granjeiros têm segurança energética para consumo próprio e ainda conseguem distribuir o excedente gerado para a rede, vendendo energia.
É o caso da família Baratto, de Medianeira, na região Oeste do Estado. Desde que passaram a produzir biogás dentro da propriedade com os resíduos da suinocultura, eles conseguiram zerar a conta de luz e ainda lucram com a sobra de energia. “A energia, que antes nós pagávamos, agora é abastecida pela nossa própria produção e o restante a gente ainda consegue vender”, explica o produtor Rodrigo Baratto.
Após três meses do sistema instalado, ele gera cerca de 25 mil kilowatts por mês, dos quais 2 mil kilowatts são usados para cobrir o consumo da propriedade, enquanto o restante é vendido. Dessa forma, a família economiza entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil que da antiga fatura mensal de energia e ainda vendem o excedente por aproximadamente R$ 12 mil mensais.
A soma entre o valor economizado e o lucro com a comercialização da energia encurtam o tempo para que o investimento feito para viabilizar a produção de biogás na propriedade se pague. Ao todo, a família investiu R$ 680 mil para a instalação do sistema.
A história da família é tema da série de reportagens “Paraná, energia verde que renova o campo”, que mostra exemplos de produtores rurais de todo o Estado que aderiram ao programa RenovaPR para implantar sistemas de energias sustentáveis em suas propriedades.
Juro zero
A família teve como incentivo o Programa Paraná Energia Renovável (RenovaPR), do Governo do Estado, que estimula a transformação energética no campo com juros subsidiados por meio do Banco do Agricultor Paranaense. No caso dos Baratto, o investimento foi feito a juro zero. “Toda ajuda é bem-vinda, ainda mais quando você faz um investimento destes. A atividade agropecuária é muito suscetível a riscos e imprevistos, então quando você tem um parceiro que te ajuda, fica muito mais fácil”, explicou Rodrigo.
O programa é uma iniciativa da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, por meio do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná). Desde 2021, mais de 8 mil produtores rurais contaram com apoio do programa para levar energia renovável às suas propriedades, com repasse de R$ 231 milhões do Governo do Estado para subvenção dos juros. Juntos, esses projetos representam R$ 1,4 bilhão em investimentos.
“Nestas condições, é um investimento que se paga em menos de dez anos. Então essa perspectiva de economizar com a conta de energia e conseguir uma renda extra, além de todos os outros benefícios, é o que fez com que a gente instalasse o biodigestor e o gerador aqui”, disse o produtor.
Sistema
Para conseguir gerar a energia dentro da propriedade, é preciso instalar um biodigestor e um gerador. O biodigestor é o sistema onde são depositados os dejetos orgânicos para que eles passem por uma série de reações químicas que produzem o biogás.
Em geral, o biodigestor é um tanque cavado no chão e coberto por uma lona especial que compõe um sistema próprio para a produção do gás. Dentro dele, os restos de ração, fezes, urina, resíduos da lavagem das baias dos porcos e carcaças se transformam em biogás. São as próprias bactérias desta massa orgânica que fazem a degradação deste composto e produzem o gás.
Os gases vão para um gerador que os transforma em energia. No caso da propriedade da família Baratto, que tem 2,5 mil suínos, o gerador com capacidade para 60 kilowatts por hora tem material para produzir energia ao longo de 15 horas por dia. “Com mil porcos a mais, poderíamos gerar energia por até 22 horas por dia, aumentando a quantidade excedente que poderíamos comercializar jogando para a rede”, revelou Rodrigo.
O processo químico de biodigestão ainda produz um composto líquido rico em nutrientes como nitrogênio e fósforo, que pode ser usado para a fertirrigação das áreas de pastagem e lavoura da propriedade. É o caso da propriedade dos Baratto que, além da produção de suínos, também conta com gado de corte e plantação de soja e milho, ao longo de 108 hectares.
“Esse ciclo todo forma um casamento perfeito. Os dejetos se transformam em energia e em fertilizante, o que faz com que a gente economize em várias etapas da produção. Nós usamos este resíduo para melhorar a pastagem destes animais”, contou o produtor.
Manejo
No geral, a adoção do sistema também facilita o manejo dos resíduos da suinocultura. Sem o tratamento ideal, os dejetos da produção de porcos podem ser difíceis de lidar. De acordo com Ângelo Baratto, pai de Rodrigo e quem levou a família a trabalhar com suinocultura nos anos 1960, o tratamento das sobras orgânicas com os biodigestores melhora inclusive as condições de trabalho nas granjas, diminuindo o mau cheiro e as moscas.
“A maneira de trabalhar com o porco mudou muito ao longo dos anos. Desde que começamos até agora, deixou de ser um trabalho braçal, em que a gente tinha que preparar o alimento do animal com quirera, para ter uma alimentação pronta que é distribuído automaticamente pela granja. Agora, com o biodigestor, também diminuiu muito o problema do mau cheiro dos resíduos”, disse Ângelo.
O processo também resolve um passivo ambiental dos produtores. Muitos granjeiros deixam de aumentar suas produções pela dificuldade de fazer a destinação correta dos resíduos orgânicos.
Com o tratamento pelo biodigestor, e a consequente transformação dos dejetos em energia e fertilizante, o problema da destinação dos resíduos é resolvido de maneira sustentável. “A tendência é que todos os produtores adotem um biodigestor na propriedade para eliminar o esterco e poder usá-lo na lavoura e no pasto”, afirmou Ângelo.
Mercado
O Paraná é o segundo maior produtor de suínos do Brasil, e o tamanho do mercado mostra o potencial da produção de biogás a partir dos resíduos da suinocultura no Estado. Segundo o a Pesquisa Trimestral de Abate de Animais, 3,1 milhões de suínos foram abatidos no Paraná no primeiro trimestre de 2024. Apenas Santa Catarina teve uma produção maior, com 4,1 milhões de abates. Rio Grande do Sul é o terceiro maior produtor, com 2,3 milhões de animais abatidos, e Minas Gerais o quarto, com 1,4 milhão de porcos abatidos.
“O Paraná é responsável por 21% da produção nacional, com muitos produtores espalhados pelo Estado, principalmente nas regiões Oeste, Sudoeste, Sudeste e Central. Essa é uma tradição histórica, principalmente pela força das cooperativas, que são muito fortes nestas regiões”, avaliou a médica veterinária do Departamento de Economia Rural do Paraná (Deral-PR), Priscila Cavalheiro Marcenovicz.
Do ponto de vista econômico, o Valor Bruto da Produção (VBP) da suinocultura, que mede o desempenho econômico de atividades rurais, foi de R$ 12,5 bilhões em 2023. O montante representando cerca de 6% de toda a produção agropecuária do Paraná no ano passado.