CAROLINA LINHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Vamos cumprir o acordo, mas por que é difícil de aceitar?", questionou o deputado federal Jilmar Tatto (PT), falando sobre o acerto do seu partido para apoiar o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) na disputa pela Prefeitura de São Paulo no ano que vem.
"A grande dúvida é se uma candidatura do PSOL consegue dialogar com o centro. A gente corre o risco de perder na cidade de São Paulo a oportunidade de ganhar a eleição num momento que o país está começando a ficar bom, num momento em que a gente ganhou a Presidência da República", completou o deputado.
"O PT tem que ter debate, mas na hora que decide, todo mundo cumpre", disse ainda.
Na noite desta sexta-feira (28), numa plenária que reuniu mais de 200 militantes do PT no Sindicato dos Engenheiros, no centro da capital paulista, muitos discursos pregaram que o partido tivesse um candidato próprio na eleição de 2024.
O PT pretende já consolidar o apoio a Boulos no congresso do diretório municipal, programado para os dias 4 e 5 de agosto. Tatto, no entanto, defende que o partido não tome nenhuma decisão agora.
Entre os petistas, ele é o principal opositor do acordo com Boulos fechado pelo PT no ano passado. Hoje ele representa uma minoria na sigla, que majoritariamente defende o apoio ao líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).
"Estamos numa grande encalacrada. [...] Fizeram o acordo sem consultar, mas tem acordo", disse Tatto no evento.
Em troca da desistência do psolista de concorrer ao Governo de São Paulo, o presidente Lula (PT), Fernando Haddad (PT) e Gleisi Hoffmann (PT) prometeram que o partido o apoiaria na eleição em São Paulo em vez de lançar um candidato próprio.
A tese do deputado é a de que a esquerda só consegue vencer se fizer uma inflexão ao centro e que Boulos pode não furar a bolha de eleitores progressistas, mesmo no contexto favorável da vitória de Lula e Haddad na capital paulista em 2022. O principal adversário é o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que deve ter o apoio de Jair Bolsonaro (PL).
Em seu discurso, Tatto listou o que pareceram condições para apoiar Boulos. Disse que o psolista deve ser cobrado a fazer a defesa do PT na campanha; que o partido deve indicar o vice na chapa; que o programa de governo deve ser discutido com os petistas e que os militantes ali deveriam gastar sua energia com a eleição dos vereadores do PT.
"Quero parabenizar o Jilmar pela coragem de não se curvar diante de uma indicação que não foi discutida com ninguém. [...] Nós vamos apanhar no congresso, mas a gente não vai se curvar nem mesmo diante do presidente Lula, que vai ter que ouvir", disse Romilda Barbosa (PT), presidente do diretório zonal do PT em Guaianases, zona leste.
O discurso dos líderes locais admitia que a opinião contrária a Boulos deve ser derrotada pela maioria do partido, mas cobrava que houvesse debate e discussão antes de aceitar a aliança com o PSOL. A reclamação comum era a de que a militância é convocada para fazer campanha, mas não participa depois das decisões sobre os rumos dos governos ou do partido.
Além de Tatto, estavam presentes petistas do seu grupo político, que fizeram falas duras contra o acordo com o PSOL, como os vereadores Jair Tatto (PT) e Senival Moura (PT), além dos deputados estaduais Enio Tatto (PT) e Dr. Jorge do Carmo (PT).
O vereador Alessandro Guedes (PT) foi o único a defender o apoio a Boulos e disse que o PT precisa já escolher quem vai ocupar a vaga de vice na chapa ou pode ficar para trás.
Enquanto os políticos se revezavam no microfone, a plateia reagia. Um homem lembrou que Boulos votou contra o arcabouço fiscal do governo Lula na Câmara. Outro disse que acordo tem que ser cumprido. Mas a maioria dos aplausos vinha quando os petistas defendiam lançar um candidato do partido na cidade.
Secretário nacional de Comunicação do PT, Tatto integra o grupo do partido que definirá a tática eleitoral para o pleito de 2024.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, PT e PSDB, siglas antes fortes na corrida à prefeitura e hoje imersas em crises e disputas internas, correm o risco de ficarem sem candidato próprio em São Paulo pela primeira vez em 36 anos.
Em 2020, apesar da pressão de muitos petistas para que o partido apoiasse Boulos desde o primeiro turno, o PT decidiu lançar Tatto para a prefeitura e amargou seu pior resultado, com 8,6% dos votos (sexto lugar).
O deputado diz acreditar que o contexto eleitoral é outro agora –mais favorável para o PT com Lula no Palácio do Planalto e bons resultados na economia.
Ao pedir a palavra, uma militante afirmou que Tatto não chegou ao segundo turno em 2020 porque foi traído pelo PT –na época, petistas fizeram campanha para Boulos. Pregou ainda que o deputado do PSOL se filiasse ao PT para concorrer em 2024, possibilidade descartada por dirigentes petistas hoje.
Senival, líder do PT na Câmara Municipal, projetou que a sigla, que tem 8 vereadores, pode chegar a 12 com a candidatura própria, mas pode diminuir para 5 ao apoiar Boulos. "O outro partido [PSOL] que vai crescer a bancada", ponderou.
"Não estamos defendendo nomes por enquanto, estamos defendendo candidatura própria. [...] Eu não me vejo, sinceramente falando, disputando uma eleição nessa cidade que não seja com candidatura própria. [...] Quem vai defender o legado do PT?", completou.
O vereador afirmou ainda que, em reunião com a bancada, Haddad afirmou não ter participado do acordo.
"O PSOL não tem vocação para o poder", disse Jair, irmão de Jilmar, sugerindo que o PT quebrasse o acerto. "Numa calçada, pode ter um degrau e a gente pode tropeçar. Sobre o acordo, a gente pode dar uma tropeçadinha também para depois se acertar, o que acham?", perguntou arrancando risadas.
"Eu não consigo admitir a gente não ter candidatura própria na capital. Teve o acordo, mas ninguém foi consultado. Qual o problema de consultar a base?", questionou Enio, também irmão de Jilmar. "O PT é grande demais para ser coadjuvante", declarou Dr. Jorge do Carmo.
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